sábado, 2 de junho de 2012

SOB (nossa) MEDIDA



(Na foto: Leila Diniz)

E cadê a marcha pela educação?

E por que não fazem uma marcha pela saúde?

Por que, ao invés de saírem peladas pelas ruas, vocês não organizam uma marcha contra a corrupção?

 

Estas foram as perguntas que eu mais frequentemente li/ouvi da última sexta-feira pra cá. O que mais me preocupa é que a maioria das pessoas que emitem tais falas são exatamente as que jamais estariam presentes em uma marcha pela saúde. As mesmas que acham que o direito de ir e vir está acima do direito de manifestação, portanto desocupem já as ruas! Aquele raciocínio torpe que sempre encontra uma desculpa pra não protestar por nada e continuar com o traseiro no sofá, jogando seu bom videogame: ‘Por que não protestam contra o aumento da conta de luz? É maior que o da passagem de ônibus!’. ‘Como esses professores podem querer melhorias na educação fazendo greves e deixando os alunos sem aulas?’. 

 

 Não pode ser tão difícil perceber que uma luta pelos direitos das mulheres (nós) é também uma luta pela educação, que exigir respeito ao corpo de uma (nós) mulher é também uma luta pela saúde de tantas marias espancadas por josés (ou mortas por conta de um aborto clandestino). Uma luta não nega a outra, ao contrário, contempla.

 

 Há, ainda, as que protestam contra o termo “vadia”. E, olha, acho vários argumentos muito válidos. Mas acredito veementemente que podemos nos apropriar de uma opressão e ressignificar as palavras, ou acham que a relação significante-significado é estática? Por que a alcunha das senhoras profissionais do sexo causa tanto asco? Quem ficaria ofendida ao ser chamada de médica, contadora ou arquiteta? Aaahh, claro, é tudo uma construção social e, portanto, pode tranquilamente ser desconstruída, não que este seja um objetivo, mas confesso que seria uma feliz implicação.

 

 Outro discurso que comumente ouço/leio, e um dos que mais me impelem a escrever estas linhas, é o de que as mulheres não têm mais motivos pra andar queimando sutiãs, já conquistaram tudo. Que não devem falar tanto de estupro, porque se vitimam demais. É a lógica do deixa pra lá, do não foi comigo, não acontece

 

 Pois eu lhes digo que eu ainda tenho um colega de trabalho que me diz pra não falar certas coisas, porque isso não é coisa que moça ande dizendo. Ainda há a personal training da academia que diz que uma mulher que dança até o chão ouvindo uma ‘música dessas’ está pedindo pra levar uma ‘dedada’. Ainda há aquela amiga (sim, mulher!) que diz que mulher não sabe dirigir, como se dirigíssemos com a vagina. Ainda há um mundaréu de mulheres (nós) que ganham(os) menos que homens exercendo o mesmo cargo. Outras tantas (nós) disputando espaços ainda restritos a homens. Ainda há, como certo policial de Toronto e seus genéricos e similares, quem ache que uma mulher que se veste como ‘vadia’ é culpada pelo estupro que ela mesma SOFREU(!), ora, se eu vejo um homem sem camisa, vou obriga-lo a transar comigo? Eu escreveria um texto incentivando as mulheres (nós) a se revoltarem contra o que pré-estabelecem para elas (nós), poderia fazer isso há 100 anos atrás, seria péssimo que precisasse fazer isso, mas, puts!, ainda preciso fazer isso HOJE!

 

 Se de uma só vez não damos conta de protestar contra todas as manifestações de machismo, que comecemos por gritar o direito mais básico, justamente aquele, que de tão básico, não precisaria ser sublinhado, que é o direito aos próprios corpos, o de deles sermos donas e senhoras, de fazermos deles o que bem entendermos, sendo eles propriedades exclusivamente nossas, intransferíveis. Vocês me dizem: - Mas isso não é lógico? Eu lhes respondo: - Pois é, não é? 

 

 É verdade que as pautas da Marcha das Vadias parecem afuniladas, limitadas à questão da liberdade sexual. Mas, como disse antes, uma luta não anula a outra. Lutar pelo meu direito de vestir o quero, sem ser estuprada na próxima esquina, é também lutar pelo meu direito de ser o que escolhi ser, de não ser julgada pelo que visto ou pelo meu sexo, e dizer que minha competência profissional não mora no meu clitóris. Sim, é básico, porque o básico ainda parece indecifrável para muitas mentes de dez séculos atrás.

 

 Muitas de nós, que escrevemos este blog, que articulamos a marcha pelas redes sociais, que nos reuniremos e definiremos metodologias, já discutimos estas pautas em vários espaços, já participamos de debates tantos, problematizamos, construímos opiniões sobre infindáveis questões de gêneros. Mas esses debates ainda eram bastante restritos, já é mais do que hora de mostrar às outras pessoas o que pensamos, em que acreditamos e chamá-las a unir forças.

 

 Teresina precisa mesmo de uma boa sacudida, de varrer essa moral careta e estigmatizante. Deixar de ser tão provinciana, cidadezinha do começo do século passado, com aqueles senhores jogando pedras na pobre Geni, coitada. Já passou da hora de as senhoras deixarem suas comadrices de lado, recolherem suas cadeiras da calçada e irem a um bom forró, que dancem, brinquem, namorem e exercitem suas escolhas, que voltem para casa em segurança e, amanhã, sejam elas, apenas elas, o que decidirem que é elas

 

(originalmente publicado em www.teresinavadia.blogspot.com , em razão das mobilizações para a 'Marcha das Vadias' em Teresina)